A
inelegibilidade decorrente de reprovação de contas no TCE
De acordo com a
Lei Complementar 64/1990 (Lei da inelegibilidade),
artigo 1º, inciso I, alínea "g", são inelegíveis para qualquer cargo
"os que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções
públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do
órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à
apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5
(cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão."
Além desta causa
de inelegibilidade, muitas outras são disciplinadas
pela mesma Lei Complementar, que é um importante mecanismo para coibir a
candidatura de políticos que se encontrem inaptos (especialmente do ponto de
vista moral) a concorrer a um cargo de agente político.
Não obstante a
importância da Lei de Inelegibilidade, nem o Poder
Judiciário nem os Tribunais de Contas estão imunes a cometer equívocos e
injustiças. A falibilidade humana é fato que não pode ser ignorado e, para
tanto, o próprio ordenamento jurídico apresenta formas legais e lícitas para
atacar e rever um ato administrativo.
Para as decisões
administrativas exaradas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), também há mecanismos neste sentido. Além dos
recursos previstos em lei própria estadual e no regimento interno, existem
outras formas de atacar a decisão que reprova contas e a inelegibilidade
que dela decorre.
A revisão do ato administrativo através do próprio TCE/PR
No Estado do
Paraná, a Lei Complementar Estadual 113/2005, através do seu artigo 77,
prescreve 5 hipóteses em que é possível pleitear, perante o
próprio TCE/PR, a revisão de decisões definitivas –
das quais já não caibam mais recursos [01].
São elas: I – que
a decisão se haja fundado em prova cuja falsidade foi demonstrada em sede
judicial; II – que tenha ocorrido a superveniência de novos elementos de prova
capazes de desconstituir os anteriormente produzidos; III – que tenha havido
erro de cálculo ou material; IV – tenha participado do julgamento do feito
Conselheiro ou Auditor alcançado por causa de impedimento ou de suspeição; V –
violar literal disposição de lei. [02]
Prova falsa
Se houver decisão
judicial que reconheça falsidade em prova que tenha sido essencial para a
reprovação das contas, poderá a parte interessada interpor pedido rescisório.
Se houverem outros elementos que impeçam a aprovação das contas, este elemento
não será suficiente para a revisão integral do ato administrativo.
Fato Novo
Os novos elementos
de prova citados no inciso II apresentam maior utilização em Pedidos
Rescisórios no Estado do Paraná e a divergência de interpretação sobre o
assunto foi o principal motivo para a prolação do prejulgado nº 4 [03]
do TCE/PR, que de forma bastante elucidativa, assim
dispõe:
Novo
elemento de prova deve ser entendido como um documento desconhecido pelo
Tribunal no momento da decisão, mas existente à época dos fatos; deve ser
demonstrado ao Tribunal que há uma situação existente na época dos fatos que
por algum motivo não veio ao conhecimento desta Corte antes de proferida a
decisão. Também configura novo elemento de prova o documento que deveria ter
sido produzido à época e não foi, mas reflete fato anterior.
O mesmo prejulgado
explica que "Convalidação de ato posterior a prestação de contas não é
objeto de rescisória e termo de fato anterior é elemento novo, pois deveria ter
sido emitido à época. Caso ajuizada a respectiva ação executiva, caberá a
aplicação das regras de embargos à execução previstos no Código de Processo
Civil, que contempla a hipótese acima mencionada."
Sobre o assunto
"fato novo", o TCE/PR assentou
posicionamento no sentido de que a alteração posterior de entendimento pela
Corte de Contas sobre um determinado assunto não enseja pedido de rescisão. A
alteração de posicionamento pode apenas autorizar o Recurso de Revisão, desde
que ainda não se tenha operado a preclusão.
Erro de cálculo e erro material
O erro de cálculo
ou erro material foi emprestado da Doutrina e Legislação Processual Civil e do
Código Civil Brasileiro, de onde se extraem as fontes para a interpretação
deste dispositivo. A bem da verdade, o próprio TCE/PR
reconheceu impropriedade na redação do inciso III, pois o erro material e o
erro de cálculo (sendo este espécie daquele) circunscrevem a idéia de
"erro de fato", que nos termos do artigo 485, §1º do Código de
Processo Civil, ocorre quando a sentença admitir fato inexistente ou quando
considerar inexistente fato efetivamente ocorrido.
Conselheiro ou Auditor impedido
Os artigos 128 e
133 da Lei Orgânica do TCE/PR e os artigos 135 a 137
do Código de Processo Civil, disciplinam com precisão as hipóteses de
impedimento ou de suspeição. O TCE/PR entende que como
as decisões da Corte são proferidas por órgão colegiado, através de um acórdão,
para que o mesmo possa ser rescindido, com base em impedimento ou suspeição, é
necessário que o voto do Conselheiro impedido tenha influído na formação da
maioria, caso tenha sido o julgamento por maioria de votos.
Para o TCE/PR (como se extrai do já referendado prejulgado 04), é
necessário analisar a "prejudicialidade do voto proferido". Neste
viés, a decisão unânime não poderia ser atacada em pedido de rescisão, mesmo se
houvesse membro julgador impedido ou suspeito.
Há que se
discordar deste ponto de vista, especialmente porque a idéia de julgamento por
um órgão colegiado pressupõe o debate entre os julgadores e consequentemente, a
possibilidade de que as conclusões se somem, que um influencie o outro para só
então ser proferido o resultado final (unânime ou por maioria) sobre
determinado assunto.
Num plano teórico,
o julgador impedido pode influenciar negativamente os demais ou, em última
análise, permanecer silente, ao passo que um julgador imparcial (que deveria
estar substituindo o julgador impedido), poderia ser fundamental para a
formação de uma conclusão diferente.
Tal posicionamento
se mostra ainda mais desarrazoado quando o julgador a que recai a suspeição ou
o impedimento é o relator do processo, especialmente pela complacência e
anuência que se costuma ter com o voto do relator.
Violação de Lei
A violação de Lei
deve ser compreendida em sentido amplo e merece algumas considerações. No que
concerne à inconstitucionalidade de Lei, é possível interpor rescisória quando
o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade da lei
aplicada pelo acórdão que se pretende rescindir.
Por sua vez,
quando o texto legal der ensejo a interpretações controvertidas, não é cabível
a rescisória, conclusão esta que se extrai por analogia ao contido na súmula nº.
343 do STF (aplicável ás rescisórias judiciais).
Admissibilidade
Havendo a
subsunção do fato a uma das 5 possibilidades acima descritas é viável a
interposição de pedido rescisório, observados os seus pressupostos de
admissibilidade, quais sejam: prazo de até 2 anos do encerramento formal do
processo; que efetivamente não caiba mais recurso no processo rescindendo
(certidão do "trânsito em julgado") e instruir o processo com as
fotocopias necessárias ao entendimento da controvérsia e com a referida
certidão de encerramento formal do processo, devendo juntar fotocópias e não
transladar as peças originais.
Além destes
requisitos, também se aplicam aos pedidos administrativos de rescisão as
"condições da ação", de modo que a legitimidade [04]; o
interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido também se afiguram como
pressupostos de admissibilidade.
Vale ainda
esclarecer que é inequívoco a possibilidade de revisão dos atos administrativos
exarados pelo TCE/PR de acordo com a LC 113/05 e
também pelo que consta da súmula 473 [05] do STF.
A revisão do ato administrativo pelo Poder Judiciário
Além do pedido
rescisório, é possível aforar Ação Desconstitutiva ou Anulatória de Ato Administrativo
perante o Poder Judiciário, também com o escopo de revisar o ato administrativo
e atacar a inelegibilidade decorrente de reprovação de
contas de Transferência Voluntária ou de Prestação de Contas Anuais.
O assunto sobre a
revisão dos atos administrativos pelo Poder Judiciário é assunto com extensão e
complexidade para a elaboração de uma monografia. Para fins de consecução às
conclusões pretendidas neste artigo, entende-se pertinente algumas considerações
abaixo sintetizadas.
A possibilidade de
revisão do ato administrativo pelo judiciário é admitida com supedâneo no
artigo 5º, inciso XXXV da Constituinte e deve estar atrelada a análise de
ilegalidade no decorrer do processo administrativo e não para a revisão de
mérito.
A revisão pura e
simples do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário é vedada (ao
menos num plano teórico) por conta do princípio da separação de poderes. Conquanto, na prática, se constate algumas
extrapolações neste sentido, o Poder Judiciário não tem competência para atuar
como se fosse o próprio Ente Administrativo (neste caso o Tribunal de Contas),
de modo que o comando normativo da decisão judicial deve ser a declaração de
nulidade do processo e a retomada do processo ao TCE, para
que a ilegalidade seja suprida.
Como ilegalidade,
pode se entender qualquer afronta a dispositivos infra-constitucionais e
constitucionais, bem como a princípios e tratados promulgados. Também fazendo
uso da prática jurídica, constata-se que as ilegalidades mais freqüentes são
aquelas que resultam em:
- cerceamento de
defesa e ofensa ao contraditório e a ampla defesa – como a ausência de
intimação do interessado para se manifestar contra um determinado ato, tais
como decisões e pareceres que possam influenciar no resultado final da decisão
administrativa; ausência de intimação válida via AR, como envio de carta a
endereço incorreto e recebimento do AR por um terceiro e ausência de intimação
do interessado (e não do ente administrativo a que representa), quando a sanção
for pessoal ao gestor;
- ausência de
motivação do ato administrativo, que ocorre quando o TCE
deixa de enfrentar algum argumento, prova ou fato importante para a solução do
julgado;
- afronta ao
contido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).
Uma questão que
gerou polêmica nas eleições de 2008 foi o fato de que, nas eleições que
ocorreram em 2004, vigorava de forma integral a súmula nº 1 do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), que assim dizia: "Proposta a ação para
desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação,
fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar n.
64/90, art. 1°, I, g)".
Para as eleições
de 2004, com base no enunciado do TSE, a simples interposição de medida
judicial, ainda que sem fundamento legal, já era suficiente para "limpar o
nome" do candidato, ainda que provisoriamente.
A súmula não
chegou a ser revogada, mas o TSE estendeu a sua interpretação, assentando que
além da interposição da medida judicial, o candidato precisa obter uma liminar
suspendendo a inelegibilidade.
Ocorre que, com
base neste novo posicionamento, alguns juízes eleitorais fizeram a
interpretação equivocada de que somente uma decisão judicial poderia tornar o
gestor com contas desaprovadas elegível, desprezando a competência que o
próprio Tribunal de Contas tem para rever as suas decisões.
Parece lógico que
a necessidade de liminar judicial só é aplicável aos candidatos que não
obtiveram a reforma da desaprovação pelo próprio Tribunal de Contas, que com poderes para julgar contas, tem poderes
para reformá-las, conforme dispositivos da LC 113/05 e súmula 473 do STF.
A defesa perante a justiça eleitoral
Pendente a
reprovação de contas anuais ou de transferência voluntária, também é possível
atacar os efeitos da inelegibilidade que dela decorre
através do próprio procedimento de impugnação de registro de candidatura.
Da exegese do
artigo 1º, inciso I, alínea "g", da Lei 64/1990, depreende-se que é
possível alegar o transcurso do prazo de 5 anos seguintes contados da data da
decisão, ou a não ocorrência de encerramento formal do processo.
Outra hipótese
mais comum e com maior aplicabilidade, é discutir a "sanabilidade"
dos motivos que ensejaram a reprovação de contas. A controvérsia quanto a este
ponto é grande pelo fato de que o conceito de "regularidade sanável",
constante no referido artigo 1º, I, "g" da Lei 64/1990, é amplo e
incerto.
Nas eleições de
2008, contrariando a jurisprudência dominante do Superior Tribunal Eleitoral [06],
o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná [07] não adentrou na
discussão da "sanabilidade" das irregularidades, afirmando que
competia ao TCE a análise desta matéria.
Entrementes, nos
processos em que a questão foi posta em debate e que chegou a esfera do
Tribunal Superior Eleitoral, foi imposta a nulidade da decisão precedente e a
determinação para abertura de instrução processual com o escopo de permitir ao
impugnado provar a "sanabilidade" das irregularidades que ensejaram a
reprovação de contas que o tornou inelegível.
Conclusão
Logrando êxito em
alguma das medidas acima apontadas, o gestor passa a ser elegível, deixando de
figurar no rol dos "fichas-sujas".
Em qualquer das
alternativas apontadas, o processo (administrativo ou judicial) segue um
trâmite razoavelmente burocrático, com manifestações das partes e pareceres do
Ministério Público, em que as decisões estão sujeitas a recursos múltiplos e,
na maioria das vezes, são tomadas por um órgão colegiado. Daí porque se pode dizer
que em regra, se a inelegibilidade foi afastada, é
porque ela era injusta e ilegal, pois a segurança a que se revestem os
procedimentos Judiciais e Administrativos acaba minimizando sobremaneira a
possibilidade de corrupção e favorecimentos nestes poderes.
Apesar da
impressão que a população tem de que "a justiça não é para todos",
aqueles candidatos que realmente se enquadravam em alguma das hipóteses de inelegibilidade, realmente ficaram de fora das eleições.
Não faltaram
exemplos em todas as esferas e escalões, de políticos que perderam seus
mandatos ou não puderam tomar posse em decorrência de alguma das causas de inelegibilidade.
Notas
1.
Vale
destacar que a idéia de "transito em julgado administrativo" é
rechaçada pelo Doutrina majoritária por conta da possibilidade de revisão pelo
poder judiciário, daí porque, seria incorreto utilizar tal conceito.
2.
O
elenco é a transcrição dos respectivos incisos do artigo 77 da Lei 113/05,
respeitando ordem e numeração.
3.
TCE/PR – Processo 37996/07 – Cons.
Rel. Fernando Augusto Mello Guimarães – Acórdão 277/07 do Pleno – Publicado nos
Atos Oficiais do TCE/PR de 27/07/2007. Extraído do
sítio: http://www.tce.pr.gov.br/servicos_publicacao.aspx?pub=40648
4.
A
parte, o terceiro juridicamente interessado – aquele que ainda que não tenha
participado do processo, sofra os efeitos da sanção e o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas.
5.
A
administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
6.
Vide
Recurso Especial Eleitoral 30153 e o acórdão proferido neste processo pelo TSE.
7.
Vide
Recurso Eleitoral 5885 e acórdão 34.191 do TRE/PR.
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